“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”.
Recordando um dos grandes dignitários deste país
Há 120 anos, em 13 de Junho de 1888, nascia em Lisboa, Fernando António Nogueira Pessoa. (Fernando Pessoa para os amigos). Depois de uma vida agitada viria a falecer 47 anos mais tarde, em 30 de Novembro de 1935. Aos cinco anos morreu-lhe o pai, vitimado pela tuberculose, e, no ano seguinte, o irmão, Jorge. Devido ao segundo casamento da mãe, em 1896, com o cônsul português em Durban, na África do Sul, viveu nesse país entre 1895 e 1905, aí seguindo, no Liceu de Durban, os estudos secundários. A influência da cultura inglesa durante a infância e adolescência iria, definitivamente, marcar a sua vida a e a sua obra.
Como todas as pessoas verdadeiramente importantes morreu na solidão do seu genial valor, abandonado e doente, tendo sido sepultado no Cemitério dos Prazeres numa “cerimónia fúnebre” testemunhada por cerca de 50 amigos.
Também, como sempre, reconhecida que foi a sua dimensão intelectual, cinquenta anos após a sua morte foi transladado para o Mosteiro dos Jerónimos, para junto daqueles que admirou, nomeadamente, Camões. Esta é por sistema a última morada concedida aos mais altos dignitários deste país, de ingratidão, para com os seus melhores que tão vilipendiados foram em vida!
“O poeta é um fingidor./Finge tão completamente/Que chega fingir que é dor/A dor que deveras sente.”
Considerado por muitos o poeta mais representativo do século XX, Pessoa partilha connosco o seu pensamento através de heterónimos, conduzindo-nos a uma profunda reflexão sobre a relação entre verdade, existência e identidade. Os seus três heterónimos mais conhecidos (e também aqueles com maior obra poética) foram Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro.Há ainda um quarto heterónimo de grande importância na sua obra que é Bernardo Soares, autor do Livro do Desassossego, notável obra literária do século XX.
Do seu extenso pensamento, e notável obra, apenas o livro “Mensagem” foi publicada em vida sendo, por muitos, considerada a sua verdadeira obra. A sua voz, incómoda e denunciadora, continua ainda tão actual como ontem. O escritor denuncia, já na altura, um país onde tudo era (é) nocturno e confuso. Considerava então «três espécies de Portugal, bem como três espécies de português»: um começava com a nacionalidade, “a forma e o fundo da nação, trabalha obscura e modestamente. Existe porque existe, e é por isso que a nação existe”; outro: “é o português que o não é», o que governa o país, “mas divorciado do país que governa. Contra a sua vontade é estúpido”. Finalmente: é o «português que fez as Descobertas, o que sonhou, mas que se foi em Alcácer Quibir», deixando, porém, alguns parentes que intentam ainda no sonho - são os portugueses que «projectam a fé», que procuram ideais, são os portugueses que sonham.
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.