quarta-feira, junho 15, 2005

Álvaro Cunhal – Homem de princípios e de convicções


Há dias ouvia um analista referir que à semelhança da ideologia comunista, Álvaro Cunhal, foi também ele, um perdedor e, portanto, politicamente um vencido. Apesar de não perfilhar das suas convicções nem do seu ideário político, não estou de acordo que tenha sido um vencido, sobretudo quando acabamos de assistir nas televisões a imagens emocionadas, autênticas, espontâneas dos seus camaradas, amigos e admiradores, de todos os quadrantes políticos, prestando-lhe a última homenagem!... Essas imagens reflectem exactamente o contrário, ou seja de um autêntico vencedor ideológico. O mar de gente que o acompanhou à sua última morada comprova-o de forma indelével.
Cunhal foi sempre um lutador insano pelas ideias em que sempre acreditou. A grandeza dos Homens não se mede pela conquista do poder pelo poder, nem dos bens materiais que esse poder lhe confere. A verdadeira dimensão do Homem, advém do exemplo que fica, na herança de tudo aquilo que nos lega. Pode discordar-se das suas ideias e da sua visão do mundo, mas ninguém discordará da sua dimensão como Homem de princípios e de convicções. Como todos os homens desprendidos, que se entregam a grandes causas, Cunhal foi também tímido e avesso à publicidade. O seu despojamento quase total, responsável por uma vida espartana, reforçou ainda mais a sua autoridade na luta por tudo aquilo em que sempre acreditou, reforçando ainda mais a sua capacidade de argumentação naquilo que defendia!
Professou valores rígidos e assistiu com dignidade e coerência ao esboroar do "seu mundo”, à decapitação do comunismo, onde nem a "sua" União Soviética foi poupada. Acredito que foi para ele um rude golpe ver cair o exemplo de organização política que sempre defendeu como o melhor dos mundos para o seu semelhante, derrotado às mãos da globalização capitalista.
Não tenho dúvida que ele sempre acreditou convictamente que tudo aquilo que defendia era o melhor para o seu Povo. Acredito também que ele renunciou a quase tudo em favor daquilo que pensava e defendia. Hoje, avaliamos a sua forte personalidade e convicção como poderíamos julgar uma personagem clássica de tragédia grega que sem vacilar enfrentou corajosamente o destino.
A exemplo de todos os grandes líderes, foi amado, mas também odiado. Com Homens desta dimensão ninguém pode, alguma vez, ficar indiferente. Como todos os grandes líderes, tenha-se gostado ou não dele, foi dos personagens mais fascinantes da nossa história política contemporânea. Com alguma ousadia, atrever-me-ia a compará-lo aos grandes líderes políticos do século XX, entre os quais destaco o Senense Afonso Costa.
Talvez um dia, a análise do seu espólio nos permita conhecê-lo ainda melhor, não só como político, mas também como escritor notável e artista plástico de elevada técnica e sensibilidade estética.
Por tudo isto, os “vencedores materiais” são, no momento, detentores da oportunidade de saber celebrar os ditos “vencidos”, não confundindo o respeito devido aos adversários, emitindo antes um sinal magnânimo de reconhecimento e valor humano a quem, com toda a justiça, é devido.