segunda-feira, março 21, 2005

A Farmácia – a herança corporativa que resta do Estado Novo

É curioso constatar que, em pleno séc. XXI, a legislação que continua a regular o estabelecimento de novas farmácias advém, no seu essencial, de 1965 isto é, da época do Estado Novo. Esta lei, reserva o exclusivo profissional, aos licenciados em Farmácia a propriedade e gestão dos estabelecimentos farmacêuticos, vulgo farmácias. Ora se toda a legislação estruturante na área da saúde foi já alterada, porque resistirá apenas, (e tão persistentemente) esta lei como o único diploma legal que sobreviveu ao 25 de Abril de 1974? Neste contexto, a criação de novas farmácias fica condicionada, por um lado aos licenciados nesta área e, por outro lado, condicionada administrativamente em função de outros parâmetros, entre os quais um mínimo de população que potencialmente vai servir e a distância mínima relativamente às farmácias já estabelecidas!... Ao manter-se em vigor a actual e obsoleta legislação, esta protegerá apenas os interesses particulares das farmácias já estabelecidas e dos seus proprietários. Como facilmente se entende, esta legislação cerceia o aumento da oferta, subvertendo deliberadamente as leis da concorrência e não obedece sequer ao princípio corporativo de que a sua propriedade seja em rigor dos farmacêuticos, que supostamente deveria defender; isto é, todos nós sabemos que um significativo número de estabelecimentos farmacêuticos deste país, nem sequer é propriedade de licenciados em Ciências Farmacêuticas, vedando-se assim aos jovens recém-licenciados (que supostamente deveria defender) - exclusividade da propriedade de farmácias para os farmacêuticos, ou seja; “um Farmacêutico proprietário de uma Farmácia, devendo ser dele a direcção técnica”. Como se vê um dos elementares direitos do farmacêutico, o direito (à semelhança dos seus pares) de poder constituir e gerir um estabelecimento farmacêutico, para o qual se sente habilitado, não salvaguarda a todos os licenciados por igual. Portanto, como facilmente se verifica, esta lei de tão corporativa que é, não defende sequer os farmacêuticos, mas antes os interesses instalados. Para ilustrar o que acaba de ser dito neste pequeno texto há que trazer à memória a última atribuição de alvarás de farmácia, que ocorreu há cerca de quatro anos. Como um dos critérios de atribuição é também a experiência, (leia-se idade) do farmacêutico, atentemos no último concurso “Farma 2001”, em que, pelo menos, 50 alvarás de novas farmácias atribuídos, foram parar às mãos de farmacêuticos que já eram possuidores de estabelecimento farmacêutico. Como é óbvio todos eles se apressaram a trespassar a respectiva farmácia, fazendo um negócio escandaloso, verdadeiras fortunas e obtendo de borla um novo alvará, à custa dos seus colegas recém-licenciados que continuam a querer acreditar na transparência do processo. Um escândalo!... Neste “negócio” e na maioria dos casos, o trespasse foi feito em favor de familiares licenciados, outras situações houve em que alguns farmacêuticos procederam à constituição de propriedade farmacêutica de forma verdadeiramente ortodoxa. O mais grave deste constrangimento é pensarmos no contexto do espaço europeu em que vivemos e da criação do mercado único sem fronteiras da União Europeia que se está a construir, no qual nos inserimos, onde a transparência dos processos não permite a subversão das leis da concorrência. Afinal já estamos no século XXI