A LIMITAÇÃO DE MANDATOS E APRENDIZAGEM DA DEMOCRACIA
A limitação dos mandatos está na ordem do dia, é a discussão do momento! Não será esta limitação contraditória com o conceito de democracia? Sem dúvida! O exercício livre e efectivo da democracia, não pode ser substituído por disposições legais por melhores intenções que estas possam ter. Teoricamente e no plano dos princípios, sem dúvida que à primeira vista, a limitação de mandatos parece ser disparatada e até de efeito inócuo; talvez de efeito semelhante ao da "regra das quotas", no que se refere à inclusão de mulheres, a qual também não é pacífica. De facto esta medida atingirá em consciência, os direitos de escolha do eleitorado, impedindo que estes votem nos dinossauros. Contudo, a sua inconstitucionalidade não se coloca, uma vez que se entende não haver restrição a qualquer direito fundamental, pelo que a Constituição consagra o «princípio da renovação» no seu artigo 118º, onde se lê que «a lei pode determinar limites à renovação sucessiva de mandatos dos titulares de cargos políticos e executivos».
Em consciência, cada um de nós deveria reflectir se, passados 12 anos de mandato, não poderá haver também outras pessoas, até no mesmo partido político, que reúnam um conjunto de capacidades e competências que, pelo menos, complementem o trabalho que o seu antecessor desenvolveu?
Por outro lado, a longevidade do poder, característica essencial de qualquer ditadura que se preze, apesar de nos parecer já longínqua, está bem presente na memória colectiva das pessoas da minha geração, causando-nos, pelo menos, uma grande sensação de desconforto. Afinal muitos de nós lutaram contra a ditadura e o regime abominável do Estado Novo. Se é uma vantagem conhecer os dois lados, mais importante é saber que as novas gerações nem compreenderiam as motivações de um regime político ditatorial, que não permita sequer o elementar direito ao livre pensamento dos cidadãos!...
Mesmo depois de Abril, é lícito reflectir sobre a questão do perpetuar inquestionável dos mesmos actores, no exercício dos cargos políticos, nesta democracia representativa que se baseia, fundamentalmente, nos triturantes aparelhos partidários, cujos dinossauro-militantes se fazem prevalecer nos respectivos directórios, não abdicando do seu peso militante. Assim, os partidos do poder, além de acomodarem os referidos actores nos tão propalados lugares, vão protagonizar nestes, a chamada polivalência militante, isto é; os mesmos protagonistas servem para tudo ou quase tudo. Se não, atente-se: quando os detentores das pesadas militâncias, não se integram nas listas de deputados, são potenciais presidentes de câmara, quando deixam, ou não são eleitos presidentes de câmara, servem para governadores civis, quando não são governadores civis, servem sempre para outra coisa qualquer, quando… E esta roda não pára nunca, nas habituais clientelas dos partidos do poder. Casos não faltam para ilustrar o que acabo de referir, bastaria para tanto atentarmos na última passagem de testemunho, já após 20 de Fevereiro. Despachos e nomeações para segurar as clientelas que deveriam sair, mas que a todo o custo se agarram nos cargos, impedindo ou dificultando as novas clientelas que se perfilam para entrar, pois agora é a sua vez de se servirem. O importante é a obtenção do famigerado lugar de relevo pelas ditas, (condição de militante). A competência, essa, deixa de ter qualquer relevância em relação ao peso que a militância revela.
O Jornal Público refere que dos 308 presidentes de câmara, 67 exercem o cargo há mais de três mandatos. Cerca de um quinto do total. O PSD de Marques Mendes (cedendo a pressões de Jardim), vem agora dizer que a limitação de mandatos deve aplicar-se no futuro e nunca retroactivamente, referindo que estes princípios essenciais não se negoceiam. Ou seja, se esta lei só começa a contar (três mandatos depois), acabando por ser um faz-de-conta. (É só rir!...)
Se ambos os partidos estão de acordo, vamos ser sensatos!.. Se a ideia é moralizar e evitar caciquismos, que existem certamente em todas as forças políticas, não me parece que se consiga já, mas é uma boa notícia caminharmos nesse sentido. Se 67 presidentes têm agora mais de 3 mandatos, abrangendo um leque variado de actores, então porque não começar contar desde já? Porquê só 3 mandatos adiante? Claro que haverá sempre uma grande disparidade entre os que se candidatam agora e os que já cá estavam. Tanto que o Presidente do PSD madeirense baptizou o diploma com o seu nome. Prometendo ficar a rir-se da lei. Alberto João Jardim está convencido que a proposta de lei é à medida de si próprio, referindo que “uma vez que não lhe conseguem ganhar nas urnas, há que lhe ganhar na secretaria”. Este dinossauro da política, está há 27 anos no poder! Com mais 3 mandatos (propostos por Marques Mendes) chegará ao 40 anos, estabelecendo um novo recorde de tempo de governação nas democracias ocidentais e por pouco, arriscava-se quase a bater o recorde de Oliveira Salazar. E pensar que ainda há quem defenda este estado de coisas… Simplesmente lamentável!...
Passados que são mais de trinta anos sobre Abril, é notório que continuamos o nosso gradual percurso de aprendizagem da democracia. Neste sentido, é importante que alguém tenha dado um primeiro passo no sentido de melhorar a qualidade da nossa democracia, tornando-a mais adulta, autónoma e equilibrada. Afinal tal como o Presidente dos Estados Unidos, (a mais paradigmática das democracias do mundo) o cargo de Presidente da República está limitado a apenas 2 mandatos, sendo esta limitação uma questão pacífica.
É no entanto desejável uma reforma mais vasta! É minha convicção que a qualidade da democracia está fortemente dependente da capacidade de renovação dos dirigentes políticos, de uma maior mobilidade entre o exercício desses cargos e o desempenho de funções privadas, de uma maior competição no acesso e de um substancial alargamento da base de recrutamento desse pessoal; a política teria muito a ganhar com uma participação mais alargada dos cidadãos e uma maior competição no exercício dos cargos públicos.
A proposta de lei vale o que vale, parecendo no entanto ir permitir, minimamente, a renovação dos protagonistas na política portuguesa e reeleger novos actores nos cargos executivos; pena é que a lei não seja já extensível à maioria, se não a todos, os cargos políticos. Acredito, seguramente, que com o tempo vamos lá!...
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