sábado, dezembro 01, 2007


Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.

Fernando Pessoa, in A Mensagem

Fez ontem 72 anos que faleceu uma das maiores e incontornáveis figuras da nossa História Cultural.

Fernando Pessoa, (Fernando António Nogueira Pessoa) nasceu em Lisboa em 13 de Junho de 1888 e viria a falecer em 1935 de doença, na sequência de uma cólica hepática que lhe foi diagnosticada

Uma parte da sua vida, mais concretamente a infância e a adolescência foi passada na África do Sul, mais precisamente em Durban. Na sequência deste facto e, o resultante domínio da língua inglesa fez com que a sua obra fosse também escrita em inglês, sobretudo poesia.

Em vida publicou uma única obra: A Mensagem. Com ele morreram também os seus heterónimos: Bernardo Soares, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis.

Fernando Pessoa juntamente com Pablo Neruda, são considerados, como os maiores poetas mundiais do século XX.

Qual o cidadão dos PALOP´s que não se orgulha deste Homem que se exprime universalmente na Língua Portuguesa?

Eis alguns poemas e extractos da vasta obra deste vulto da literatura universal:


MAR PORTUGUÊS


Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa, in A Mensagem


PARA SER GRANDE, SÊ INTEIRO

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive

Ricardo Reis


EXTRACTOS DO LIVRO DO DESASSOSSEGO

“Tenho que escolher o que detesto – ou o sonho, que a minha inteligência odeia, ou a acção, que a minha sensibilidade repugna; ou a acção, para que não nasci, ou o sonho, para que ninguém nasceu.

Resulta que, como detesto ambos, não escolho nenhum; mas, como hei-de, em certa ocasião, ou sonhar ou agir, misturo uma coisa com outra.”

Um dia talvez compreendam que cumpri, como nenhum outro, o meu dever-nato de intérprete de uma parte do nosso século; e, quando o compreendam, hão-de escrever que na minha época fui incompreendido, que infelizmente vivi entre desafeições e friezas, e que é pena que tal me acontecesse. E o que escrever isto será, na época em que o escrever, incompreendedor, como os que me cercam, do meu análogo daquele tempo futuro. Porque os homens só aprendem para uso dos seus bisavós, que já morreram. Só aos mortos sabemos ensinar as verdadeiras regras de viver.

Bernardo Soares - in Livro do desassossego



LIBERDADE

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro pra ler
E não o fazer!
Ler é maçada.
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por Dom Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa




CARTAS DE AMOR

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
D’essas cartas de amor
É que são ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas ,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Álvaro de Campos