terça-feira, abril 25, 2006

Discurso do 25 de Abril de 2006

Ex.mo. Sr. Presidente da Assembleia Municipal

Ex.ma. Mesa da Assembleia Municipal

Ex.mo Sr. Presidente da Câmara Municipal

Srs. Membros da Assembleia Municipal

Srs. Representantes da Imprensa

Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Comemora-se hoje mais um aniversário de Abril, marco histórico na nossa reorientação, cultural e política, que assinalou de forma indelével, a nossa caminhada para a aprendizagem da Democracia em Liberdade abrindo, através da II República, o país, ao Mundo livre e dos direitos do Homem.

Passados estes anos já não é Democracia que se questiona, mas antes a qualidade dessa mesma Democracia. Por isso quero propor algumas reflexões de ordem geral sobre o problema da ética e da moral, suscitadas por certas intervenções e acções de actores políticos concretos, ainda frescos na nossa memória, ocorridos recentemente e relativas à responsabilidade dos partidos no seu jogo político, indiciando que nem tudo vai bem na emblemática Casa da Democracia Portuguesa.

A perplexidade é referente à prática política e à atitude dos deputados da Assembleia da República que esbateu fronteiras entre a Esquerda e Direita. Somos assim, obrigados a reconhecer que nesta “arte de fazer política”, as diferenças entre a Esquerda e a Direita não são exactamente aquelas que suspeitávamos. Aquilo que as aproxima, em matéria de ética ou da moral, é muito mais consistente do que aquilo que supostamente as devia separar; e foi muito feio, tudo aquilo a que assistimos.

Nesta data tão emblemática para os cidadãos livres, não podíamos deixar passar em claro este abuso da liberdade democrática, por parte de quem nunca o deveria ter feito, sem fazermos o necessário reparo. Nem ficaríamos a bem connosco próprios!... Esta atitude de total desrespeito dos nossos representantes, democraticamente eleitos, que no Hemiciclo registaram a sua presença para logo de seguida se ausentarem é atroz para a Democracia. Além do dever de exemplo, porque presumivelmente deveriam ser os melhores entre todos e por isso teriam sido eleitos, os deputados da nação deveriam, do mesmo modo, ter mais respeito por quem os elegeu e a quem devem o seu lugar privilegiado na nossa Democracia!...

Não há democracia sem ética, portanto sem responsabilidade com a condição humana.

A ética em democracia é factor de coesão social e fundamental para a convivência colectiva de um Povo.

A ética existe desde o começo organizacional das civilizações, sendo fundamental na evolução do ser humano. Significa a responsabilidade de cada um e de todos perante os valores da vida e da dignidade da pessoa humana.

A ética da democracia é pois a ética da coesão social, da afirmação da liberdade e do respeito pelas necessidades sociais, cívicas e políticas dos cidadãos. A democracia política ou se faz social e humana, ou não é mesmo democracia...

Ninguém nasce cidadão, mas torna-se cidadão pela educação. Porque a educação actualiza a inclinação potencial e natural dos homens à vida comunitária ou social. A cidadania é, nesse sentido um processo. Processo que começa nos primórdios da humanidade e que se efectiva através do conhecimento e conquista dos direitos humanos, não como algo pronto, acabado; mas, como aquilo que gradualmente se constrói em cada dia.

Tal como a ética, a cidadania é hoje questão fundamental, quer na educação individual e colectiva, quer na cultura das famílias, quer nas Instituições fundamentais à nossa vida democrática.

Não basta o desenvolvimento tecnológico, científico para que a vida fique melhor. É preciso fomentar uma saudável convivência na comunidade política, para que os gestos e acções de cidadania possam estabelecer um viver mais justo, equilibrado e responsável aos olhos de quem nos elege.

Portanto, falar de ética e cidadania não é tão linear assim, porque pode-se resvalar num discurso repleto de presunção, pensando que pelo simples facto de se deter o conhecimento sobre a necessidade da ética e da cidadania possa por si só alcançar grandes transformações e trazer novas esperanças para a humanidade; ou, ao contrário, pode trilhar-se um caminho sem esperança ante o poder político e económico dominante que afaste cidadãos de recta intenção.

O gradual afastamento dos cidadãos em relação à vida política tida como a actividade humana mais nobre, além da falta de ética não pode ser indiferente às consequências de uma sociedade consumista emergente da economia de um mercado, feroz, bem como de outros fenómenos contrários ao espírito de Abril. Por isso, nunca foi tão necessário combater este desencanto, relativamente à realidade concreta do dia-a-dia dos cidadãos, quer seja na oposição quer até mesmo na situação.

Também o crescente clima de desconfiança na Justiça e outras instituições fundamentais do Estado de Direito Democrático, associado à emergência de crescentes suspeitas de fenómenos de corrupção, fraude fiscal e compadrio, aos mais diversos níveis, quantas vezes sem investigação ou esclarecimento apropriado, em contraponto com fugas de informação inacreditáveis que visam o lançamento de abomináveis suspeitas sobre cidadãos quantas vezes honrados e honestos, fazem o resto e em nada ajudam também a nossa Democracia.

Sem esquecer o contributo negativo do modelo de desenvolvimento, a inerente crise económica e energética, a globalização, o desemprego, o aumento das situações de exclusão social e o consequente incremento da marginalidade, são também um mau contributo ao Estado Democrático que é o menos culpado de tudo isto! Estes são apenas alguns inimigos claramente incompatíveis com a concretização de uma sociedade justa democrática e responsável, onde cada homem possa, efectivamente, realizar em Liberdade o seu projecto de vida.

Por tudo isto necessário se torna promover o regresso à discussão argumentativa das grandes doutrinas e movimentos políticos, recolocando o Humanismo, os valores sociais e a necessidade de dignificação da pessoa humana acima das meras questões economicistas perniciosas.

Por tudo isto urge o rápido regresso à verdadeira Política, feita do debate civilizado, do confronto salutar de ideias e projectos, orientada para os problemas concretos dos cidadãos eleitores que nos mandataram e que esperam de nós o cumprimento das nossas funções políticas, em sua representação e na defesa dos seus interesses, pelo que proponho:

1. Que a nossa Assembleia Municipal seja o palco privilegiado para o debate das ideias e dos projectos de interesse do nosso concelho e das suas estratégias de desenvolvimento nas diversas áreas económico-sociais, contribuindo para que a Assembleia exerça, dentro das suas competências, o papel que lhe cabe como órgão político máximo do concelho.

2. Que esse debate democrático decorra sempre com a maior elevação e tolerância no respeito pelas posições divergentes, porque todos os membros têm seguramente contributos válidos a prestar, independentemente da cor partidária pela qual são eleitos.

3. Que a Assembleia Municipal deva estreitar os laços com a sociedade civil do concelho de Seia e da sua região, abrindo as portas ao maior interesse e participação dos munícipes na resolução dos seus problemas que passam também a ser nossos, contribuindo para elevar a cultura democrática, através de iniciativas relevantes e oportunas.

Só deste modo e com serenidade a Assembleia Municipal poderá dar o seu contributo para que em Seia se cumpra Abril. Porque as eleições só fazem sentido se servirem para o povo escolher quem efectivamente deseja a governá-lo e porque a Assembleia e a Câmara Municipal só existem porque existem munícipes…

O que acabo de dizer pretende, sobretudo, renovar o discurso de esperança e com ele proponho encerrar a minha intervenção recordando que há 32 anos atrás, a Revolução de Abril marcou o início de uma nova era que mudou definitivamente as nossas vidas.

Admito que muito foi já conseguido até aqui. Seguramente, muito mais haverá ainda por fazer e mais do que apenas recordá-lo, é imperioso cumprir Abril, mas com qualidade democrática, o Abril dos nossos sonhos e expectativas. E este é um trabalho que só nós, os Portugueses, poderemos fazer. Para isso bastar-nos-á acreditar em Portugal e, sobretudo, em nós próprios…

Que o espírito de Abril permaneça sempre em nós.

Assembleia Municipal de Seia, em 25 de Abril de 2006

O Deputado Independente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista

João José Cabral Viveiro