quarta-feira, março 01, 2006

Vergílio Ferreira e o orgulho do sentir beirão

Faz hoje dez anos, (1 de Março de 1996) que faleceu em Lisboa o grande escritor beirão, Vergílio Ferreira. Viria a ser sepultado em Melo, sua terra natal, “virado para a serra” como sempre desejou.

O Escritor nasceu no dia 28 de Janeiro, de 1916, em Melo, concelho de Gouveia. Tinha ele apenas 4 anos de idade quando os seus pais emigram para os Estados Unidos, deixando-o, com seus irmãos, ao cuidado de suas tias maternas. Esta dolorosa separação havia de ser descrita na obra Nítido Nulo. A neve virá também a ser um dos elementos fundamentais do seu imaginário romanesco é o pano de fundo da infância e adolescência passadas na zona da Serra da Estrela.

Após uma peregrinação a Lourdes, (tinha ele 10 anos) entra no seminário do Fundão, que frequentará durante seis anos. Esta sua passagem pelo Seminário será fundamental para o inspirar a escrever a sua obra Manhã Submersa.

Mais tarde, em 1932, deixa o seminário e acaba o Curso Liceal no Liceu da Guarda, onde começa a dedicar-se à poesia. Entra para a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, continuando a dedicar-se à poesia, nunca publicada, salvo alguns versos lembrados em Conta-Corrente e, em 1939, escreve o seu primeiro romance, O Caminho Fica Longe.

Licenciou-se em Filologia Clássica em 1940. Conclui o Estágio no Liceu D.João III (1942), em Coimbra. Começa a leccionar em Faro e publica o ensaio "Teria Camões lido Platão?" Logo a seguir, durante as férias, em Melo, escreve a obra Onde Tudo Foi Morrendo.

Inicialmente neo-realista, depressa Vergílio Ferreira se deixou influenciar pela onda existencialista francesa (André Malraux e Jean-Paul Sartre), iniciando um caminho próprio a partir do romance Mudança (1949). É já de uma forma deliberada que Vergílio Ferreira se distancia do neo-realismo nos romances escritos antes de Aparição (1959) mas só publicados depois deste. Em Apelo da Noite (1963) reivindica-se face ao homem de acção, o "crime de pensar "; em Cântico Final (1960) é a arte, como encontro de um "mundo original", de um sagrado ou absoluto agnóstico, que se furta a qualquer compromisso ideológico. Mas é Aparição - que juntamente com A Sibila (1953) de Augustina Bessa-Luís o romance português contemporâneo - que imporá o seu universo romanesco, seja naquilo a que se chamou, não sem verdade, mas com alguma pressa reducionista, o eu existencialismo, seja no seu estilo ensaístico ou filosofante.

A Aparição é o limiar de uma triste, aflitiva, mas sempre deslumbrada interrogação sobre a condição humana. Estrela Polar (1962) e sobretudo Alegria Breve (1965), onde o sofrimento progressivo imposto pelo destino na fronteira da vida, (pathos) da sua escrita atinge o ponto de máxima exacerbação mas também de máxima perfeição, além de aprofundarem e completarem a temática de Aparição, introduzem um experimentalismo que terá larga descendência na nossa ficção. A partir de Nítido Nulo (1972) o tom da sua obra começa a ser matizado pela ironia. É uma ironia que vem daquilo que o desgaste ensina. E o que ele ensina é que toda a verdade se esvazia, toda a evidência se torna opaca, todas as ideias pesam para o lado da morte, em consequência da sua ousadia, como na tragédia grega.

Virgílio Ferreira foi considerado um dos mais importantes romancistas portugueses do século XX, tendo ganho vários prémios, entre eles: o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (ganho duas vezes, primeiro com o romance Até ao Fim e depois com o romance Na tua Face), e o Prémio Femina, em França, com o romance Manhã Submersa.