quarta-feira, novembro 09, 2005

“Liberté, Egalité et Fraternité” e a Emigração à Francesa…

No intuito de melhorar a qualidade de vida, a emigração de portugueses para França, embora em menor escala, continua, ainda hoje a verificar-se. Mas, até 1974, mais de um milhão de portugueses emigrou para França, dispostos a trabalhar em tudo o que lhes aparecesse, numa tentativa de se libertarem de uma pobreza dolorosa e cíclica que o seu país desgraçadamente lhe proporcionava.

Foi uma verdadeira sangria, em grande parte clandestina. Em poucos anos despovoam-se regiões inteiras abrindo-se profundas rupturas nas estruturas económicas, sociais e culturais das pequenas localidades.

Como todos nós sabemos, a partir deste fluxo migratório, nada voltaria a ser como dantes!... Para o comprovar basta hoje olharmos para a arquitectura que anos mais tarde passou a prevalecer nas aldeias, vilas e cidades do interior!...

A exploração destes emigrantes, rudes, incultos, na sua maioria analfabetos, iniciava-se logo em Portugal, com as organizadas redes clandestinas que os transportam até à fronteira, proporcionando-lhe o famoso “Salto”. Não raras vezes acontecia serem abandonados antes mesmo de passarem os Pirinéus. Outros ainda pagariam com a própria vida o tortuoso percurso de um novo “el dourado”.

Os que tinham a sorte de chegar a França continuariam, no entanto, a ser vítimas de todo o tipo de discriminação, quer no trabalho, quer na habitação ou, até, nos mais pequenos actos do quotidiano, uma humilhação constante que suportavam em silêncio. As suas expectativas eram, fundamentalmente, conseguir uma vida mais digna que lhes era negada no seu próprio país e regressar logo que lhes fosse possível.

A imagem que a comunicação social francesa frequentemente projectava dos humildes emigrantes era, ditada pelo chauvinismo e xenofobia características dos franceses, ou seja, de pessoas de baixíssimo nível cultural e, sobretudo despolitizadas, quase sempre ligados a profissões desqualificados. As mulheres são "todas" porteiras, ou empregadas de limpeza e os homens "todos" operários da construção civil ou jardineiros. Na sua fragilidade e inocência, os portugueses eram o alvo principal no anedotário gaulês.

Após a relativa melhoria do nível de vida dos Europeus pobres do Sul, os portugueses e os espanhóis deixaram de emigrar. A França como pais colonizador, virou-se para os antigos países africanos e magrebinos por si colonizados, passando a receber esta mão-de-obra barata e também desqualificada, sem cuidar dos resultados e consequências de uma total ausência de políticas de emigração ou integração. Assim se foram criando “colónias interiores”, as quais diferem em muitos aspectos dos “guetos”. No “gueto” os habitantes sentem dificuldade em se ausentar e movimentar fora desse meio, por razões de vária ordem. Já nas ditas “colónias interiores” desenvolvem-se espaços culturais característicos, fomentados e frequentados por gente que não tem qualquer interesse na integração no país de acolhimento, pelo que se tornam zonas politicamente incontroláveis em que a marginalidade se confunde com uma espécie de guerrilha urbana e os seus actores vistos como heróis no meio, levando a cabo acções violentas, perturbando a ordem a coberto de uma certa cobardia política, de avestruz, confundida pela negligência dos poderes instituídos, e de quem deveria proceder, em vez de reflectir os sinais inegáveis de fraqueza de quem não devia nunca ter falhado.

É necessário que os responsáveis promovam urgentemente políticas integradoras dos novos cidadãos evitando a exclusão, esta sim, geradora dos graves conflitos que impavidamente estamos a assistir por toda a França, e que são fruto de uma ultrapassada e insuportável mentalidade europeia.

O aumento do desemprego, a integração de imigrantes por fazer e uma pressão constante nas fronteiras europeias, os líderes da União Europeia tardam em entender e a dar respostas coerentes a este problema nuclear. À partida parece não haver qualquer relação entre imigração e terrorismo internacional. A questão da imigração é, antes de tudo, uma questão que se relaciona directamente com o choque civilizacional e, naturalmente, com os direitos humanos.

Estou em crer que nada disto teria ocorrido se cada francês, cada europeu, tratasse nos respectivos países, cada emigrante com honras de cidadania.

Há anos, em Paris, um ex-emigrante confidenciava-me: “a França é um país maravilhoso, pena é ter franceses”.


“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”.

Bertold Brecht